Sempre tem aquele cantor ou cantora que não damos muita atenção, que passa despercebido pelos nossos fones de ouvido ou ignoramos quando
vem a nossa cidade fazer um show. Era meu caso quando se tratava de Ana Cañas.
Não considerava ela uma cantora ruim, pelo contrário, a voz é linda. Mas havia
algo em seu som que não me cativava. No meio de tanta cantora, achava mais do
mesmo. Com Tô na Vida, quarto álbum de estúdio, lançado esse ano, paguei a
língua.
Em Tô na Vida, Ana Cañas traça e percorre um caminho bem
diferente de seus trabalhos anteriores. A voz continua a mesma, afinada e bem
colocada. Mas, dessa vez, ganha identidade. Com produção de Lúcio Maia (Nação
Zumbi) e da própria Ana Cañas, o disco traz uma pegada rock e é essencialmente
autoral.
Mesmo tendo flertado
com o rock em seu segundo disco, “Hein” (Sony Music, 2009), que traz a bela
canção “esconderijo”, só agora em Tô na Vida, as canções assumem
definitivamente um atmosfera roqueira, emolduradas por guitarras. A faixa que
abre o disco, “Existe”, já dá uma mostra dessa transformação, que resulta em algo
surpreendente e agradável.
As composições
falam de amor, sem ser brega, e ainda tem espaço para canções de cunho
feminista como “Mulher”. Os versos dizem: “Sou preta, sou branca, sagrada,
profana, sou puta, sou santa, mulher”, que nos remete a rainha do rock
brasileiro Rita Lee, tanto na performance vocal quanto na letra semelhante a “Pagu”.
A parceria com
Arnaldo Antunes redeu três boas canções, destaque para o single que dá nome
ao disco “Tô na vida”, cuja guitarra de Lúcio Maia é responsável por conferir
um ar de rock retrô, e a ingênua, porém poética “Um dois um só”, que parece refletir um amor adolescente: "Quando te vi te amei, quando te quis te desejei. E agora que a gente deu um nó, você em mim, nós dois um só", diz os versos da canção.
A mais inspirada
do disco é “Hoje nunca mais”, assinada com Dadi, que não pesa na guitarra para
deixar disseminar toda afetuosidade que sugere a canção, sem dúvida a mais
bonita do repertório. Mas, o rock volta aparecer com força total em “O som do osso” (Ana
Cañas, Lúcio Maia, Pedro Luís), “feita de fim” (Ana Cañas) e “Indivisível” (Ana
Cañas), essa última com riffs que remetem a rocks clássicos, no melhor estilo "I
Love rock’n’roll". A lista de parceiros inclui ainda a presença ilustre de Marcelo
Jeneci, nos teclados, e a banda base formada por Fábio Sá e Betão Aguiar
(baixo) e Marco da Costa (bateria).
Nada como o tempo
para amadurecer o artista e o ouvinte. Em seu quarto álbum de carreira, Ana Cañas
nasceu para mim. Finalmente seu som me cativou. Sem dúvida, Tô na Vida está entre os melhores discos do ano.